“Smart Kit”: um projeto que alterou dois percursos de vida
O Projeto “Smart Kit” – uma caixa de medicamentos inteligente que auxilia o paciente no processo diário de tomada de medicação – já proporcionou a duas alunas da Escola Profissional de Rio Maior a conquista de vários prémios e distinções em competições nacionais e internacionais. As autoras, Jéssica Marques, de 19 anos, e Soraia Gaspar, de 22 anos, que frequentam o 3.º ano Curso Profissional de Técnico Auxiliar de Saúde, explicam-nos este projeto e os seus percursos no ensino profissional.
ANQEP: Como é que surgiu o Projeto “Smart Kit”?
Jéssica Marques: Numa aula de saúde surgiu a oportunidade de a escola participar no concurso “Jovens Cientistas e Investigadores” da Fundação da Juventude. Os professores tiveram uma reunião, nós a seguir tivemos aula e a professora de saúde apresentou um problema: as caixas de medicamentos para os idosos não são funcionais. Podíamos criar um mecanismo para ajudar na toma da medicação.
A professora deixou a ideia no ar e a Soraia agarrou-a. Foi falar com a professora Maria João, a seguir vieram falar comigo e nós as duas constituímos uma equipa. Foi um projeto que foi desenvolvido ao longo de três anos.
ANQEP: Como é que funciona o “Smart Kit”?
JM: A “Smart Kit” é uma caixa dispensadora de medicamentos com capacidade para uma semana, com seis compartimentos diários, que abrange todas as especialidades medicamentosas, ou seja, desde o jejum até ao deitar. Na hora da toma da medicamentação existe um alarme visual e sonoro que avisa o paciente que tem de tomar a sua medicamentação. O paciente confirma que ouviu o alarme e o compartimento da hora indicada vai subir. Ele toma a medicamentação, volta a colocar o compartimento no lugar e confirma que a tomou. Se isto não acontecer, é enviada uma mensagem para o cuidador a dizer que a toma não foi realizada. A “Smart Kit” pode ser programada à distância através de um smartphone ou de um computador. Produz ainda relatórios de atividade que poderão ser monitorizados pelos cuidadores.
ANQEP: Quais os prémios que já conquistaram com este projeto?
Soraia Gaspar: Já ganhámos vários prémios nacionais e internacionais. O primeiro foi o dos “Jovens Cientistas e Investigadores”, em maio de 2013, em que conquistámos o segundo lugar e que nos deu direito a participar na EUCYS 2013 (European Union Contest for Young Scientists). Precisamente na final europeia deste concurso, destinado a jovens cientistas, que decorreu em Praga, em setembro de 2013, fomos distinguidas com o Prémio de Originalidade, pelo Gabinete Europeu de Patentes (EPO). A seguir, em junho de 2013, no concurso EmpreEscola, organizado pelo Núcleo Empresarial de Santarém (NERSANT), o mesmo projeto ganhou o Prémio de Inovação, o que correspondeu a 500 euros. No ano passado, fomos ao Concurso de Ciência Mundial INESPO 2014, que decorreu em junho, em Haia. Ficámos em terceiro lugar ex aequo, ganhámos uma medalha de bronze, uma menção honrosa e medalhas de participação. Por termos participado na EUCYS 2013, fomos recentemente a Munique ao EPO, onde tivemos oportunidade de participar em diversos workshops e formações, juntamente com outros jovens europeus. No dia 9 de junho, estivemos na fase final da edição 2015 do Prémio Fundação Ilídio Pinho “Ciência na Escola”, em que ganhámos 500 euros. Mais recentemente, fomos a Málaga e, em princípio, vamos construir o “Smart Kit” para comercializar, em parceria com o Parque Tecnológico e a Universidade de Málaga.
ANQEP: Destes, qual foi o prémio mais importante, o que vos deu mais satisfação?
JM: Foi o dos “Jovens Cientistas e Investigadores” porque foi a nossa primeira distinção. Chegámos e pensámos que não íamos ganhar nada. Eram só microscópios e máquinas muito desenvolvidas. Ficámos em segundo lugar, correspondente a 1.200 euros e a um prémio que nos deu direito a participar na EUCYS 2013.
ANQEP: Porque escolheram um curso profissional?
JS: Estudei no 9.º ano de escolaridade em Rio Maior e segui para Artes, que é a área que eu realmente gosto mas a escola é em Caldas da Rainha, ainda a 12 quilómetros de Rio Maior. Ficava bastante longe para eu ir e vir todos os dias. Decidi vir para a Escola Profissional de Rio Maior e inscrever-me no Curso de Marketing e Publicidade. Passados alguns dias fui à escola para saber se o curso tinha aberto. Mas, o curso não abriu. O professor Luciano teve uma longa conversa comigo a tentar convencer-me a ficar na escola. Eu vim, continuei, mas andei meio perdida no início. Depois surgiu o “Smart Kit”… e tudo mudou!
ANQEP: Portanto, encontrou uma motivação ao longo do curso?
JM: Exatamente. Agora estou a concluir o curso, sem módulos em atraso e estou a gostar muito. Começou por ser uma aventura mas vai ter um final feliz.
SG: Inicialmente, ingressei num curso de Ciências e Tecnologias. Frequentei o 10.º e o 11.º anos de escolaridade e no 11.º ainda estive dois anos a fazer melhorias de notas. Entretanto, surgiu este curso de Técnico de Auxiliar de Saúde. Como sempre gostei desta área resolvi inscrever-me. Eu sou do Cartaxo mas vim para Rio Maior porque foi onde abriu o curso. Sempre foi a área que quis, sempre tive boas notas e vou acabar o curso brevemente.
JS: Ela é a melhor aluna da escola.
ANQEP: Então as duas tiveram que alterar os projetos que tinham para as vossas vidas?
SG: Sim, e tal como a Jéssica disse, a ?Smart Kit? foi um facto motivador. Foi uma grande alteração de planos mas para melhor.
ANQEP: Que distinção faz entre o ensino dito regular e o profissional?
SG: Nós estamos muito mais preparadas até para um curso superior se for na mesma área, do que propriamente se estivermos no do ensino dito regular, porque temos matérias mais direcionadas. Para além disso, temos a prática que nos mostra se esta é realmente a área que queremos seguir.
ANQEP: E pensa trabalhar no final do curso ou ir para o ensino superior?
SG: Vou candidatar-me ao ensino superior a um curso de enfermagem.
ANQEP: O curso profissional pode entretanto abrir as portas para uma oportunidade de emprego?
SG: Sim. Quando eu fiz o meu último estágio, tive logo proposta de emprego, mas como eu quero seguir um curso superior de enfermagem pus um bocado de lado esse convite.
ANQEP: O que é que destaca no curso?
SG: Ficamos muito bem preparadas, especialmente na área técnica, em saúde e em higiene. Levamos muito, muito conhecimento que os profissionais dos hospitais onde estagiamos destacam.
ANQEP: Portanto, já estagiou num hospital?
SG: Estagiei num hospital privado em Santarém. O primeiro estágio foi em Internamento e o segundo num Bloco Operatório. Nesses estágios sempre me disseram que nós vamos muito bem preparadas a nível técnico e com conhecimentos.
JM: Eu estagiei no mesmo sítio, na Intervenção Precoce, em Rio Maior, mas não foi em contexto hospitalar. Mas as disciplinas que mais jeito me deram para o estágio foram as de comunicação e relações interpessoais, porque a Intervenção Precoce trabalha com crianças dos 0 aos 6 anos, com crianças com algum tipo de problema de desenvolvimento, desde síndrome de Down, autismo, até outros problemas, como no desenvolvimento da leitura, da motricidade fina.
ANQEP: A vossa Prova de Aptidão de Profissional (PAP) teve a ver com a “Smart Kit”?
SG: Não. A minha teve a ver com um equipamento do mesmo género da “Smart Kit” mas não é para medicação. É uma máquina para a glicemia, um glucómetro inteligente. É um equipamento em que a pessoa tem uma recarga, com tudo incluído, e apenas precisa de introduzir o dedo na máquina. Faz o teste exatamente como as outras máquinas mas não necessita que o paciente pique o dedo.
JM: A minha PAP teve mais a ver com a área da educação. Foi sobre a prevenção da obesidade infantil e a promoção da alimentação saudável. Realizei uma ação junto das crianças do Centro Escolar n.º 2 de Rio Maior. Aqui, as crianças tiveram uma palestra sobre o mesmo assunto, foi distribuído um lanche e um kit saudável com vários documentos e suportes que podiam usar para saberem mais sobre esse problema.
ANQEP: Para além do que já foi falado há algum aspeto que queiram destacar?
SG: Eu entrei aqui a chorar porque não queria vir para Rio Maior e vou sair daqui a chorar porque não quero sair da escola. Queria este curso mas tinha medo de vir para Rio Maior porque não queria deixar os amigos. Não queria deixar a minha escola que era perto do meu local de residência.